Imagine a situação: um homem está num restaurante, quando
outro chega e começa a lhe cobrar uma dívida: “Pensou que eu ia ficar preso
muito tempo? Eu já saí e quero meu dinheiro”. A cena aconteceu no sábado (29),
em Feira de Santana, Centro-Norte, onde 101 presos do regime semiaberto já
foram mandados para casa por ordem judicial - serão 320. “São
estupradores, homicidas, traficantes. Nós não discutimos decisão judicial,
estamos aqui para cumprir”, disse o diretor do lugar, Allan Araújo.
Um levantamento feito pela Secretaria de Administração
Penitenciária e Ressocialização da Bahia (Seap) aponta que, dos 94 detentos
enviados para a prisão domicialiar até a manhã desta segunda-feira (1º), 37
respondem por roubo com uso de arma de fogo - 40% do total. Já os
traficantes somam 31 e equivalem a 33%; homicidas são 11 (12%) e acusados
por estupro, 9, ou seja, 10%. Os que respondem por crimes como porte de arma e
formação de quadrilha são 6 (5%).
A decisão de mandar tantos presos para casa foi do juiz da
Vara de Execução Penal de Feira de Santana, Waldir Viana. De acordo com o
magistrado, a decisão visa cumprir a Súmula Vinculante 56 do Supremo Tribunal
Federal (STF), que estabelece que não podem ser mantidos no mesmo ambiente
detentos com regimes de custódia diferenciado, o que vinha ocorrendo no
Conjunto Penal de Feira.
Em uma das decisões, que mandou para a prisão domiciliar um
condenado a oito anos por estupro de vulnerável, o juiz diz que, além da
ausência de separação dos presos do regime fechado, há “inexistência de oferta
minimamente razoável de trabalho externo e de ensino regular e
profissionalizante” e que a unidade é inadequada aos “requistos do regime
semiaberto”.
Até a manhã desta segunda-feira (1º), ele já havia
autorizado a liberação de 135 presos. “O correto seria com o monitoramento
eletrônico, mas tive que dispensar por que o Estado não tem tornozeleiras
eletrônicas para o interior”, declarou o juiz. Na última quinta-feira (27), em
entrevista ao CORREIO, o magistrado disse que já vinha alertando a Seap sobre o
problema há dois anos.
‘Soltura total’
O secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização, Nestor Duarte,
justificou que a convivência entre os presos do regime fechado e semiaberto é
uma questão pontual. “Apenas 2% não estavam separados por questões específicas,
como o fato dos caras serem de outra facção, pode ter provisório junto aos
apenados. Foi colocado para não haver problemas, pois a responsabilidade de
cuidar é nossa”, declarou.
Ele disse que vai recorrer. “Decisão judicial a gente
cumpre, mas vamos recorrer, até porque prisão domiciliar é soltura total”,
comentou. Duarte falou também sobre os riscos do benefício. “Eles podem
agredir a sociedade ou até serem mortos. Semana passada, um preso com
tornozeleira foi morto com tiros na cabeça”, declarou.
Sem fiscalização
Os detentos beneficiados com a progressão são todos do regime semiaberto. Mesmo
liberados para suas casas, eles devem continuar tendo obrigações com o
Judiciário.
O problema é que, sem tornozeleiras, não haverá como
fiscalizar se os presos cumpirão as regras. “Não temos como vigiar. O presídio
atende a 70 comarcas. Tenho como fiscalizar na unidade, mas não tenho como
acompanhar nas casas se estão cumprindo as regas”, disse.
O presidente da Ordem do Advogados do Brasil - Secção Feira
de Santana, Marcus Carvalhal, também vê a situação com preocupação. “A decisão
do juiz está amparada pela lei, mas nós vemos com preocupação, pois não há um
acompanhamento real dessas pessoas, já que não temos tornozeleiras eletrônicas
no interior”, disse. A Bahia tem 300 tornozeleiras, para Salvador e Região
Metropolitana.
Questionado se a decisão tomada em Feira poderia chegar a
outros locais, o Tribunal de Justiça da Bahia disse que essa decisão “é
exclusivamente do juízo da execução do local de cumprimento da pena”.
População carcerária
De acordo com dados divulgados pela Seap no último dia 3 de setembro, Feira de
Santana tem a segunda maior população carcerária da Bahia: são 1.848 detentos
no Conjunto Penal, embora a capacidade do lugar seja de 1.356.
Após a liberação de 320 presos, a fiscalização ficará a
cargo da polícia. “O que podemos fazer: o presídio vai enviar uma lista dos
sentenciados para o comando da Policial Militar da região e para a 1ª Coorpin
(Coordenadoria de Policiamento do Interior) de Feira. Esses dados são incluídos
no sistema de informações, de modo que os policiais possam fiscalizar, mesmo
com toda a dificuldade”, disse o juiz Waldir Viana.
Ele afirmou ainda que os presos terão que usar as
tornozeleiras eletrônicas assim que o Estado providenciar os equipamentos.
Os detentos deverão ser localizados através de um banco de dados. Procurada
para saber se houve aumento no policiamento na cidade, a Secretaria de
Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) disse que a informação é “sigilosa”.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Ministério Público
da Bahia (MPE-BA) e a Defensoria Pública do Estado não se posicionaram até o
fechamento desta edição.
Regras
O juiz Waldir Viana determinou que os detentos liberados devem comparecer uma
vez por mês ao judiciário, não podem mudar de domicílio e local de residência
sem comunicar ao magistrado, bem como devem permanecer em casa entre 22h e 6h,
sendo proibidos de, em qualquer horário, frequentar bares ou locais onde há
comércio de bebidas alcoólicas, práticas de jogos de azar, prostituição,
ou atividades ilícitas.
Atualmente, as 300 tornozeleiras eletrônicas
disponíveis para Salvador e Região Metropolitana funcionam em regime de
comodata – a empresa só disponibiliza o equipamento quando há necessidade.
Segundo a Seap, 126 estão em uso e o custo mensal de cada uma é de R$ 250,83.
Ainda de acordo com a pasta, uma licitação, que está em andamento, prevê a
aquisição de 3.200 equipamentos para serem utilizadas na capital e no interior.
Inspeção
Em relatório enviado na última quarta-feira (26) ao sistema Geopresídios, do
Conselho Nacional de Justiça, o juiz da Vara de Execução Penal de Feira de
Santana classificou como “péssima” as condições do Conjunto Penal. O magistrado
informou no documento que “não existe a separação dos presos pelo regime e
nenhum dos requisitos legais do regime semiaberto existe. Não é, de fato,
semiaberto”. Ele também pediu a aplicação imediata da súmula do STF.
Segundo relatório da inspeção, a unidade possui apenas 172 agentes penitenciários, que trabalham em turnos diferenciados. Em números absolutos e levando em consideração a presença simultânea de todos os agentes, pode-se dizer que o conjunto penal possui 1 agente para cada grupo de 11 detentos.
Segundo relatório da inspeção, a unidade possui apenas 172 agentes penitenciários, que trabalham em turnos diferenciados. Em números absolutos e levando em consideração a presença simultânea de todos os agentes, pode-se dizer que o conjunto penal possui 1 agente para cada grupo de 11 detentos.
O Banco Nacional de Monitoramento de Prisões, do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), mostrou que, até agosto de 2018, a Bahia tinha
16.273 pessoas privadas de liberdade, sendo 15.715 homens (96,5%) e 558
mulheres (3,4%).
Deste total, 49,88% são presos provisórios, ou seja, que não
foram sequer condenados. No ranking de presos provisórios, a Bahia está atrás
apenas de Alagoas, Rio de Janeiro, Amazonas e Ceará.
FONTE: Correio, com foto ilustração.
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